terça-feira, 27 de julho de 2010

Ouça e Veja

"Pra se ter alegria", Roberta Sá.

Paixões e Canções

Pobres corações dilacerados. Hoje acordei romântico, passional até o pó do osso. Tudo à custa de um sonho - nada erótico, mas puramente afetivo, que me fez balançar as pernas. Vou largando o tom confessional por aqui, pois tenho coisas mais importantes para falar acerca dos corações apaixonados, ou carentes, ou machucados. Um minuto. Devo retornar ao confessionário, senão o que vou escrever, de fato, não fará sentido. Dentro da minha solidão doméstica, em meio a uma pia vazando, uma pilha de louça para lavar e roupas para dobrar, resolvi escutar Nana Caymmi. Ah, fundo senti meu pobre coração dilacerado, louco por afeto e atenção. Há cada romance de novela e filme que se seguiu a essa momento de epifania romântica, sentia o agudo desejo de viver uma paixão. Juntou-se o meu sonho à voz arrasa cardíaco de Nana e tive uma ideia. Quais as canções mais passionais da música brasileira? Não gosto de listas, mas, vira-e-mexe, pego-me a fazer uma e, no ímpeto do nerd retardatário, tomo nota.



Já que falamos em Nana Caymmi é impossível esquecer da canção do quase desconhecido compositor Peterpan: Se Queres Saber. Nana concedeu a alma de empréstimo e, o registro ao vivo, arrepia-me "do cóccix até o pescoço", parafraseando o mestre Caê Veloso. Logo em seguida lembrei de Ninguém Me Ama, de Antônio Maria, na interpretação clássica e grave da dark Nora Ney. Quando surgem os versos de "A vida passa/E eu sem ninguém/E quem me abraça não me quer bem", vê-se marcada a hora do suicídio. Julgo as décadas de quarenta e cinquenta como as mais expressivas, diante da grandiloquência dos arranjos e das interpretações dramáticas - coisa tão diferente, tão Hollywood nos tempos míticos, que me marcou. A cena de sangue, proposta por Paulo Vanzolinni em Ronda, lembra Nelson Rodrigues e, inevitavelmente, as mulheres loucamente apaixonadas por seus homens, de Pedro Almodóvar. Chico Buarque faz desfilar várias patologias clínicas-passionais em sua letras e a paixão, reinando cegante, é a maior força repulsora e motriz das personagens das músicas. Da mulher submissa ao homem amado de Com Açúcar, Com Afeto até o homem que vê seu grande amor pelas Vitrines da cidade, Chico revela tipos de paixões, arquétipos atordoados do submundo do amor convencional, aceitável; a obsessão, a falta de amor-próprio. Na melhor delas, Sem Açúcar, feita, parece que sob medida para a voz de Maria Bethânia, ouvimos a confissão de uma mulher que as feministas botariam fogo: deixa-se enlevar pelo marido que tem sua “cerveja sagrada” e que lhe bate ou alise quando convém. Não vou citar Dalva de Oliveira, porque senão perigo colocar metade do repertório dela aqui - o que seria incrível! Lembrei de uma música chamada Cão sem Dono. Elis Regina a interpretou no show Transversal do Tempo e vale dar uma conferida - é lindo.
Percebe-se que não numerei nada pois seria injusto. Claro que faltam muitas, muitas canções. Mas não quero escrever mais por hoje. Vou colocar um CD da Maysa, buscar uma taça de vinho e chorar minhas dores de amores.

sábado, 29 de maio de 2010

Ouça!

Julieta Venegas - Otra Cosa

Dalva & Herivelto

“Limpo num pano de prato as mãos sujas do sangue das canções”. Quando Caetano Veloso escreveu este verso para “Drama”, desvirtuando o pano doméstico, símbolo do lar, sintetiza a relação conflituosa (vida íntima x escândalo público) do casal que causou burburinho nos áureos anos do rádio. Dalva de Oliveira & Herivelto Martins.

A Som Livre lançou recentemente o DVD da minissérie “Dalva e Herivelto – Uma canção de amor”, de Maria Adelaide Amaral, e eterniza a bem sucedida iniciativa de narrar a vida em comum desses ícones da música brasileira. Herivelto, o Don Juan da década de 50, conquistou facilmente, com 20 por cento de suas músicas e 80 por cento de sua lábia, a jovem Dalva. Formou-se dupla na cama e trio nos palcos: Trio de Ouro, com a tríade Dalva, Herivelto e Nilo Chagas. Depois vieram as traições, bebedeiras e escândalos, na era mais rock&roll da música popular. Esse fato pode ser comprovado no livro “Minhas duas estrelas” escrito pelo filho do casal, Pery Ribeiro. Lá estão todas as intrigas e fatos de bastidores (drogas, sexo e samba canção) que eram simplesmente abafados assim que caiam as cortinas do Cassino da Urca. Os problemas pessoais do casal emergiram e os jornais não perderam a oportunidade de levar tudo a público, inclusive mentiras, no típico clichê de que TUDO VALE PARA VENDER JORNAIS. Filhos levados ao internato por mandato de juiz, vaias, aplausos, outros casamentos, ostracismo e bandeira branca. Dalva e Herivelto viveram num turbilhão, mergulharam num mar denso e deixaram uma história incrível e intensa para a posteridade.

Veja!

"A noiva estava de preto", de François Truffaut

sexta-feira, 23 de abril de 2010

La Calcanhotto - Parte 1

Adriana Calcanhotto está se preparando para estrear o espetáculo “Dois é Show”, com base no segundo álbum de Partimpim, seu heterônimo no projeto voltado para as crianças. Por isso, em contagem regressiva, vou postar, em uma série, textos e análises sobre seus trabalhos anteriores. Faixa a faixa.



“Quero porque quero e não espero para começar”
Em 1998, Adriana Calcanhotto pôs seu Paramgolé Pamplona laranja e posou para as lentes de Fábio Ghivelder para a capa de “Marítimo”, seu quarto disco. Adriana que na infância mergulhava nas praias de Porto Alegre, agora aportava no mar carioca e na maresia de Dorival Caymmi. Porém, o nado nas “águas de Dona Janaina” não seria suficiente para sublinhar todo talento de Adriana Calcanhotto.
O álbum inicia com “Parangolé Plampona”, onde Adriana musica, com as próprias palavras, a “receita” do artista plástico Hélio Oiticica para confeccionar um Body Cape 1968, uma espécie de capa moldada sobre o próprio corpo. “Marítimo”, música título do CD, nos dá um encontro solitário e musical com a paisagem carioca (Pela orla/Pela beira/ Pela areia afora/A tarde inteira/Pela borda/Pedra portuguesa).
Em seguida vem “Vambora”, lindíssima e simples como sentir o cheiro de um grande amor dentro de um livro. Como vinha acontecendo desde seu primeiro disco, Adriana conseguia cada vez mais prestígio e elogios do público, da crítica e dos grandes e consolidados artistas brasileiros. Essa aproximação com artistas renomados, fez com que Adriana pudesse fazer parcerias e ter encontros essenciais para sua obra.
“Quem vem para beira do mar” traz o ritmo da praia baiana de Dorival Caymmi, num dueto, com o próprio Caymmi, de abrir sorriso. Depois, Adriana passeia de guarda-chuva com Pedro Luís na deliciosa e espontânea “Mão e luva”: Luva e mão, mão e luva/Vamos passear de guarda-chuva/Mão e luva,luva e mão/Nosso encontro parecia perfeição.
Abri-se o salão, movem-se os canhões de luz. Adriana recita “Pista de dança”, dela e do já falecido poeta Waly Salomão. “Pista de dança” narra, no ritmo delirante do eu lírico, uma experiência vertiginosa em uma rave. Para Adriana música é poesia, poema e arte multifacetada. Seguindo esse pressuposto, ela, devota dos modernistas, fez à antropofágica “Vamos comer Caetano” para Caetano Veloso (Vamos comer Caetano/Vamos desfrutá-lo/Vamos começá-lo). Na certa Adriana já o “comeu”, pois ela soube muito bem deglutir as lições do mestre tropicalista, caetaneando.
Na 8ª faixa do disco, “Mais Feliz”, Adriana batiza, em versão definitiva e excepcional, a canção de Cazuza, Dé e Bebel Gilberto.
Segui-se um encontro do piano dissonante de Hermeto Pascoal e a voz certeira de Adriana, na perfeita “Canção por Acaso”, música desmistificadora sobre criação musical. Em “Por isso corro demais”, a singeleza de um banquinho e violão. “Asas” é uma canção no melhor estilo Adriana Calcanhotto – grife de primeira. Em “Dançando”, de Perícles Cavalcanti, Adriana brinca de novo na pista de dança, só que abandona o tecno de “Pista de dança” e adota o “Se gostar de batuque”, de Kide Pepe, dono do sample usado na gravação.
Um ponto interessante do disco é “A cidade”, de Helder Aragão. Os sons da metrópole: “Qualquer produto é um real e noventa centavos!”, buzinas, vozes da rua, risos, “dá uma Coca light!”. “A cidade” é um estudo musical do centro de Recife, mas que poderia ser de qualquer outra grande cidade do Brasil.
O álbum encerra com “Cariocas-Remix 96” regravação do original de 1994, que ganhou mais leveza e mixagem gostosa.
Quando terminamos o disco, temos a conclusão certeira. Adriana sabe o que faz. Sua música pode flertar com as artes plásticas, trazer imagens cinematográficas para os versos, jogar estrofes numa pulsante pista de dança, experimentar. ”Quero porque quero e não espero para começar”, já diz a música “Dançando”. E é isso que faz de Adriana Calcanhotto jóia rara nos nossos tempos minguados de boas composições e boa voz.

"la nuit tous les chats sont gris"


Escrever: encher de letras uma folha em branco. Tarefa difícil essa. Um exercício desafiador e arriscado. Um jogo, um esquema cheio de prazer, um duelo com você mesmo. É alcançado plenamente quando se está só, à duas mãos, usando seus próprios meios. Como la nuit tous les chats sont gris, ou seja, a noite todos os gatos são pardos, prefiro escrever na boca da madrugada e não ter medo de jogar todas a cartas, de errar no Português, de sofrer com o bloqueio criativo e me odiar por isso. Não tenho uma relação indissociável e obscura com o ato de escrever como Clarice Lispector, nem a livre pouca importância que Luis Fernando Veríssimo dá à pratica. Mas tenho afetuosos encontros com as palavras e espero tê-los sempre e para sempre durante toda a jornada desse blog. PAPEL E LÁPIS eu já tenho.