sexta-feira, 23 de abril de 2010

La Calcanhotto - Parte 1

Adriana Calcanhotto está se preparando para estrear o espetáculo “Dois é Show”, com base no segundo álbum de Partimpim, seu heterônimo no projeto voltado para as crianças. Por isso, em contagem regressiva, vou postar, em uma série, textos e análises sobre seus trabalhos anteriores. Faixa a faixa.



“Quero porque quero e não espero para começar”
Em 1998, Adriana Calcanhotto pôs seu Paramgolé Pamplona laranja e posou para as lentes de Fábio Ghivelder para a capa de “Marítimo”, seu quarto disco. Adriana que na infância mergulhava nas praias de Porto Alegre, agora aportava no mar carioca e na maresia de Dorival Caymmi. Porém, o nado nas “águas de Dona Janaina” não seria suficiente para sublinhar todo talento de Adriana Calcanhotto.
O álbum inicia com “Parangolé Plampona”, onde Adriana musica, com as próprias palavras, a “receita” do artista plástico Hélio Oiticica para confeccionar um Body Cape 1968, uma espécie de capa moldada sobre o próprio corpo. “Marítimo”, música título do CD, nos dá um encontro solitário e musical com a paisagem carioca (Pela orla/Pela beira/ Pela areia afora/A tarde inteira/Pela borda/Pedra portuguesa).
Em seguida vem “Vambora”, lindíssima e simples como sentir o cheiro de um grande amor dentro de um livro. Como vinha acontecendo desde seu primeiro disco, Adriana conseguia cada vez mais prestígio e elogios do público, da crítica e dos grandes e consolidados artistas brasileiros. Essa aproximação com artistas renomados, fez com que Adriana pudesse fazer parcerias e ter encontros essenciais para sua obra.
“Quem vem para beira do mar” traz o ritmo da praia baiana de Dorival Caymmi, num dueto, com o próprio Caymmi, de abrir sorriso. Depois, Adriana passeia de guarda-chuva com Pedro Luís na deliciosa e espontânea “Mão e luva”: Luva e mão, mão e luva/Vamos passear de guarda-chuva/Mão e luva,luva e mão/Nosso encontro parecia perfeição.
Abri-se o salão, movem-se os canhões de luz. Adriana recita “Pista de dança”, dela e do já falecido poeta Waly Salomão. “Pista de dança” narra, no ritmo delirante do eu lírico, uma experiência vertiginosa em uma rave. Para Adriana música é poesia, poema e arte multifacetada. Seguindo esse pressuposto, ela, devota dos modernistas, fez à antropofágica “Vamos comer Caetano” para Caetano Veloso (Vamos comer Caetano/Vamos desfrutá-lo/Vamos começá-lo). Na certa Adriana já o “comeu”, pois ela soube muito bem deglutir as lições do mestre tropicalista, caetaneando.
Na 8ª faixa do disco, “Mais Feliz”, Adriana batiza, em versão definitiva e excepcional, a canção de Cazuza, Dé e Bebel Gilberto.
Segui-se um encontro do piano dissonante de Hermeto Pascoal e a voz certeira de Adriana, na perfeita “Canção por Acaso”, música desmistificadora sobre criação musical. Em “Por isso corro demais”, a singeleza de um banquinho e violão. “Asas” é uma canção no melhor estilo Adriana Calcanhotto – grife de primeira. Em “Dançando”, de Perícles Cavalcanti, Adriana brinca de novo na pista de dança, só que abandona o tecno de “Pista de dança” e adota o “Se gostar de batuque”, de Kide Pepe, dono do sample usado na gravação.
Um ponto interessante do disco é “A cidade”, de Helder Aragão. Os sons da metrópole: “Qualquer produto é um real e noventa centavos!”, buzinas, vozes da rua, risos, “dá uma Coca light!”. “A cidade” é um estudo musical do centro de Recife, mas que poderia ser de qualquer outra grande cidade do Brasil.
O álbum encerra com “Cariocas-Remix 96” regravação do original de 1994, que ganhou mais leveza e mixagem gostosa.
Quando terminamos o disco, temos a conclusão certeira. Adriana sabe o que faz. Sua música pode flertar com as artes plásticas, trazer imagens cinematográficas para os versos, jogar estrofes numa pulsante pista de dança, experimentar. ”Quero porque quero e não espero para começar”, já diz a música “Dançando”. E é isso que faz de Adriana Calcanhotto jóia rara nos nossos tempos minguados de boas composições e boa voz.